Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que el

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"Quem não reage, rasteja"

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Falar sem Pensar


Caixa de Sapatos

   É Márcio, é engraçado onde vai parar o pensamento quando a gente fica muito feliz e não sabe direito o que fazer dessa felicidade, fica besta e belo e carrega um vulcão que, outrora adormecido, começa a espreguiçar-se ainda sonolento me fazendo tremerem as mãos e esbaterem-se os joelhos. Minhas tremedeiras me fazem cócegas.

   Meu pensamento anda se dividindo em cenas, depois em frames e você me esganaria se pudesse conectar um plug no meu ouvido e extrair dos meus miolos as imagens que eu registrei. Ah, sim, amigo Márcio, você teria um belo filmete. Devia existir uma maquina que roubasse as imagens do cérebro, roubasse não, copiasse.
   Devia existir também a que apagasse, ou você pensa que eu também não tenho meus dias de Clementine?Eu acho que você dirigiria um filme bonito com minhas memórias onde eu seria a Ana que seu vê, apesar de que, eu sei que a Ana que seu olho vê perdeu muito da delicadeza nas minhas teimosias.

   Queria que você pudesse editar essa Escócia Primavera-Verão que eu filmo pelas lentes dos olhos todas as manhãs. Ia ter um sol cor d?ouro, tulipas vermelhas e arbustos amarelos donde coelhos de orelhas longas saem pra me cumprimentar religiosamente todos os dias.
   O registro diário do consumir do faisão morto na beira da estrada, um pós-morte tranquilo: sem ratos, nem vermes nem urubus, somente a carne virando pó lentamente, dia após dia, primeiro o pescoço, depois a cabeça. Tudo muito delicado apesar de mórbido. Teria o portão que leva ao farol, gate closed at dusk, a garagem e os carros a venda.
   O extenso gramado ainda queimado pelas neves invernais, a praia de pedras, os cães e suas bolas e donas de muita idade, o homem de terno soltando uma pipa cor de rosa em forma de tubarão voador. O homem de shorts muito curtos que corre todos os dias no mesmo horário que eu. A Ms. Mc?Algumacoisa que me saúda da varanda em seu robe azul claro com sua canequinha de girassóis.
   O Caravan Park nas centenas de traillers coloridos e homens lavando seus carros e backpackers e curiosos. Ia ter as ovelhinhas e suas mães me encarando pela cerca e fazendo barulho, os golfistas jovens fazendo charme usando tacos como bengalas de pernas cruzadas não sei bem se flertando ou esperando a próxima jogada. E haveria ? como não haver ? o farol reluzindo a luz nórdica, imponente, fálico. E com alguma sorte uma foca preguiçosa se revirando ao sol numa pedra a meio mar.

   Então haveria eu. Eu inclinada diante da pequena fonte, eu bebendo água como quem beija um beijo húmido e bom. Eu meio Pipin e meio Stella, fazendo charme para os golfistas . Para os velhos, os jovens. Para os colegas trabalhando no bar da Halfway House. Eu fazendo charme para mim nessas horas que por estar feliz a gente se sente mais singelo e se perdoa quase tudo.

   Eu caminhando, minha sombra alongada desdobrando-se pela estradinha de asfalto rústico, pela areia, pela brita. A silhueta afinada de uma mulher de sonhos simples buscando a necessária leveza para na hora que o vento -seja o que leva ou o que traz de volta- soprar, não haja que se fazer nem mesmo o mínimo esforço para se deixar levar.

Decolar.
Saudade,
Ana

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